i'm not your party favor.

dezembro 06, 2022

há meses eu me evito criar versões ruins de você.

toda vez que penso em como você me machucou e continua me machucando com suas decisões, em como eu não fui tratada com carinho, como eu fui deixada de lado, mês após mês, como um brinquedo que você simplesmente cansou de usar, mas se recusava a jogar fora. toda vez que eu penso que eu estava ali, empoeirada na prateleira porque você queria que eu continuasse te assistindo brincando com outros brinquedos, mais jovens e mais fúteis que eu, e ainda assim te admirar, te colocar como a criança mais legal que eu conhecia - afinal, quem não quer ser adorado desse jeito, não é? - toda vez que eu penso nisso, eu sinto uma dor que me dilacera, que me rasga, que me corrói por dentro e imediatamente sou acometida por uma culpa.

é estranho, não é? pensar que não podemos pensar mal de quem nos fez mal? é que ninguém quer ser visto como uma criança ruim. mas você também foi uma criança ruim. por meses para mim você foi a pior delas porque você não queria que eu fosse para doação, nem vendida, nem que conhecesse novas crianças porque isso, automaticamente, significava que você poderia não ser a minha criança favorita ou a melhor delas. e a pior parte, é que você nem queria brincar comigo, mas também não queria que eu fosse embora.

você não me permitiu nunca te ver com maus olhos. te ver como você realmente é - porque o ruim também te pertence, você não é todo bom, ninguém é, mas no seu caso, você se recusa a acreditar nisso, você se recusa a ver a parte ruim e cobra incessantemente quem não te vê por essa perspectiva. toda vez que eu ousava questionar ou pensar algo ruim sobre você, imediatamente como uma criança mimada você cruzava os braços e me fazia ver as coisas do seu jeito. você não me deixou de propósito na prateleira. não era sua culpa que eu estava empoeirada. não era sua culpa me colocar para adoção, não era você que precisava me dar tchau. você não tomou nenhuma dessas decisões de propósito e eu precisava te entender. sempre houve uma justificativa e eu sempre ouvi e aceitei todas elas.

você jamais pensou em como era dolorido ficar te assistindo na esperança que a minha hora de brincar e de ser uma das escolhas ainda viria. na esperança que você me escolhesse. e além de lidar com a frustação de querer ser escolhida e nunca chegar a minha vez, eu também precisava entender o porque você não me escolhia, afinal, você estava descobrindo o parquinho aos vinte e sete anos, como se nunca tivesse descido para brincar antes. e eu entendi, e eu aceitei, e eu continuei por muito tempo na prateleira. te ouvindo, te ajudando, inclusive, a escolher novos brinquedos. te ajudando a se ver como a criança mais legal, mais interessante porque você precisava de mim para te afirmar isso incessantemente já que você não acreditava nisso.

até que você não precisou mais, mas eu continuava na prateleira. nem o carinho de me tirar da prateleira e me dizer tchau, agradecendo por ser seu brinquedo favorito por anos você teve coragem de fazer. quando o peso do pó se acumulou nos meus ombros e ficou difícil de respirar e a minha esperança foi dilacerada após tantos dias esperando um olhar, um afago, um afeto que nunca vinham sem eu pedir, que nunca vinham genuinamente porque você se lembrava que eu ainda estava lá, eu me vi na obrigação de me jogar de lá de cima, sabendo que mesmo que se eu me arrebentasse na queda, era melhor do que continuar ali, imóvel, esperando por algo que nunca mais viria.

deve ser muito gratificante ser adorado tanto assim por alguém. estar no topo da pirâmide, preencher o ego, a sensação de ser indestrutível e que nada te abala, que você é invencível porque alguém te vê de uma forma tão gratuita e genuinamente boa. acho que isso faz você acreditar que você é um ser humano sensacional e deve ser difícil mesmo sair desse lugar.

e foi por isso que eu aceitei por tantos meses continuar te vendo com bons olhos. porque é muito difícil aceitar a realidade que, alguém que eu admirava tanto assim fosse capaz de me deixar tão empoeirada por tanto tempo - por mais até do que eu achava que tinha sido, que eu fosse tão facilmente esquecida. não era possível que todos esses anos de adoração, de devoção eu fosse deixada assim tão superficialmente por outros brinquedos porque você é incapaz de brincar sozinho.

e agora, quando eu finalmente aceitei que você fez tudo isso, ainda que não intencionalmente, eu ainda fiquei ali esperando por algo que você prometia e nunca vinha. com a queda além da dor de finalmente me libertar daquele lugar, de me libertar de uma esperança vazia, me libertei de ter que te entender e te admirar a todo custo, também tive que lidar com a dor de aceitar tão pouco por tanto tempo, de me machucar te ajudando a escolher os brinquedos que você queria enquanto eu ainda estava ali porque você era incapaz de se decidir, tive que lidar com tantas dores que você jamais terá alguma ideia porque você não sai do playground e já tá na hora de parar de brincar, mas entre todas as decepções, a maior delas é perceber que a criança que eu tanto admirava, é tão medíocre e ordinária quanto todas as outras que continuam no parquinho.

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